enquanto ela julga o ator da novela, julga o repórter, julga a garota do comercial, cita de
modo depreciativo outro personagem qualquer.Enquanto ela diz que fulano merecia apanhar ou
o outro quer bater nele. Assim foi ensinada a geração dela. Educada por uma geração que
julgava e reprimia, educada por outra que chicoteava e era chicoteada, e por outra e outra. Uma
sociedade que escondia, embaixo das saias longas, das armações, dos espartilhos. Tudo
deveria ser escondido. Terno, chapéu, suspensórios. A mulher deveria ter carnes para
satisfazer ao homem, deveriam estar escondidas pelos metros de tecido. Não escondia
apenas o corpo. Mas o desejo, e rotineiramente a violência, tida como parte do relacionamento
tradicional. Educada, prendada, sofisticada. Mas renegada a espera do retorno do marido, a
espera dos filhos, ao cuidado de uma família. O passatempo era sentar no sofá ou no portão,
com lanches e amigas na mesma situação e … julgar. A moça que passava apressada, o
jovem correndo atrás do bonde, o empregado desleixado, a criança bagunceira. E assim a vida
seguia.
outra mas que depois de algumas décadas se fizeram perceber.
tudo ficava escondido. Tudo veio a tona, as mulheres tinham desejo, ardente, elas sofriam
abuso, violência, queriam ser amadas e respeitadas. Os homens desejavam também, queriam
sexo selvagem, ardente, mas muitos achavam que não era com suas mulheres que deveriam
tê-lo. Amantes. Outras mulheres e outros homens, resolveram dizer ao mundo que sim,
gostavam de outros homens, preferiam eles a suas esposas, as mulheres também gritaram
que outras mulheres era o que elas desejavam. Um grito de liberdade se espalhou pelo mundo.
Mas algo foi esquecido de ser revisto...O julgamento. As mesmas pessoas que pedem
liberdade para viver suas vidas, apontam o dedo para vizinha que se assume lésbica, pro gay
espancado num beco ao sair da boate. Pra garota estuprada na saída do turno noturno da
faculdade. Não defendem, não acolhem. Buscam desculpas para justificar o fato. Alguns
discordam desse posicionamento, acham absurdo a defesa desses fatos. Esse padrão é
seguido por mais algumas décadas. A opinião discordante foi crescendo e se tornando maioria,
ensinando a seus filhos, discutindo com os amigos e família a importância do respeito ao
universo do outro, do direito a vida, a intimidade, o livre arbítrio.Não me julguem, eu sei que o
cenário apresentado ainda está em construção, mas não vamos regredir. Vamos em frente.
Nossos pais e avós não entendem bem como construímos nossas vidas, como homem e
mulher trabalham fora, como ainda existem casamentos, como as pessoas se divorciam e se
casam com outras de mesmo sexo, como todos acham isso normal.
a filha a voltar para casa e ficar com o marido que ela não queria mais.
anteriores passaram, agradecer por terem nos dado a vida, agradecer pela instrução que foi
dada. Por todas as lutas que eles travaram e que nós, hoje, colhemos o fruto. Foi difícil, sim,
cada batalha vencida. Cada negro morto chicoteado criou um Presidente de Estado, cada
mulher violentada criou uma Mariele, cada jovem impedido de viver seus sonhos por qualquer
motivo, criou um artista,um autor, um advogado exercendo uma profissão que lhe dá
paixão,vivendo uma vida melhor e mais livre. Que a partir disso, possamos continuar esse
trabalho incrível, sim, um trabalho de evolução, de crescimento da nossa espécie, de nossas
famílias. Nossa geração e talvez até a próxima, fomos criados entre a liberdade e o
julgamento. Foi nos dado muito mas sem entender que merecíamos isso, que era nosso
direito. Tivemos que lutar para viver o que queríamos mas esquecemos desse fato ao olhar o
outro e julgar sua luta tão próxima e parecida com a nossa. Nossa luta é contra o julgamento de
cada uma das liberdades que ganhamos. Reconhecer nosso direito de ser quem somos e
vibrar com cada pessoa que alcança seu verdadeiro Eu. Talvez a missão de curar toda nossa
ancestralidade com anos de sofrimento seja um fardo árduo demais para carregar, mas se
cada minuto do nosso dia estivermos atentos e pudermos estender a mão, ajudar, dizer uma
palavra a qualquer pessoa, que possa estar passando por uma vulnerabilidade, uma violência,
uma depressão, que esteja num dia bom ou ruim. Se pudermos viver com a consciência de
que somos irmãos e que merecemos não só o direito, não só a liberdade mas também a
aceitação e respeito, quem sabe nosso comportamento não inspira as próximas gerações a
terem gestos semelhantes e melhores e possamos fazer parte da reconstrução do nosso
mundo.